Estudo sobre vergonha social na Psicologia
Equipe Eurekka
Por mais que pareça algo comum, a vergonha é algo que tem sido alvo de estudos de grandes pensadores, desde Aristóteles até Sartre. Mas o que será que a Psicologia tem a dizer sobre a vergonha social hoje? É essa pergunta que vamos responder neste estudo sobre vergonha social.
Reunimos aqui reflexões recentes sobre o tema, de modo que você possa ampliar sua visão sobre esse sentimento e entender mais sobre como ele se relaciona com o Eu e com a vida em sociedade.
Boa leitura!
Índice
O que a psicologia diz em estudo sobre vergonha social
No artigo, O Sentimento de Vergonha e suas Relações com a Moralidade, escrito pelo Dr. Yves de La Taille, professor de Psicologia na Universidade de São Paulo, encontramos reflexões muito pertinentes em relação à definição de vergonha para a Psicologia.
Segundo de La Taille, o que causa a vergonha é a percepção de que o outro emite um juízo sobre nós. Ou seja, é a racionalidade humana que o permite ter consciência de si e também a consciência de ser para outrem.
Assim, ainda segundo o autor, essa vergonha pode acontecer de diversas maneiras e em diversos cenários. Como, por exemplo, pode-se sentir vergonha ao ser ridicularizado pelas suas roupas, mas também pode-se sentir vergonha ao estar sendo observado por muitas pessoas ao receber um prêmio.
Dessa forma, a vergonha pode tanto acontecer a partir de um juízo de valor negativo explícito, quanto apenas pela consciência de se estar sendo observado pelo outro e, que esse outro emite uma opinião. Então, nota-se que a vergonha pode ser tanto algo real e explícito (como o xingamento), mas também algo imaginado (como no caso de se sentir observado).
A vergonha e o autojuízo
Um ponto interessante sobre a vergonha, também levantado no artigo, é que a vergonha só existe quando a pessoa envergonhada concorda com o juízo imposto sobre ela pelo outro.
Ou seja, se o outro emitir um juízo de valor negativo sobre você, mas você não concordar com o que ela disse, você não sentirá vergonha. Porém, quando essa fala do outro te afeta e você emite sobre si um jugo próprio, a vergonha surge a partir desse autojuízo.
Assim, se observa que a vergonha não é um processo passivo, mas o ato de concordar e interiorizar um juízo de valor sobre si mesmo. Ou seja, sentir vergonha não depende só da percepão do outro sobre nós, mas também da nossa visão sobre nós mesmos.
[…] o juízo negativo alheio é aceito como legítimo e, logo, corresponde a um autojuízo negativo. Na vergonha, portanto, o decair perante os olhos alheios deve corresponder a um decair perante os próprios olhos. ( DE LA TAILLE, 2002, p.19).
Vergonha proscpectiva x Vergonha retrospectiva
Além disso, também vale ressaltar o pressuposto de que a vergonha pode ser tanto prospectiva, quanto retrospectiva. Por exemplo: se você não age de certa maneira por vergonha, seria um ato prospectivo, pois é vergonha de algo que não aconteceu, ou seja, está no plano da mente.
Já na retrospectiva, é quando você sente vergonha por já ter agido de determinada maneira, de modo que ocorre um autojulgamento. Podendo, ou não, ter sido dada uma opinião negativa explícita de outra pessoa sobre você.
Estudo sobre a vergonha social e a moralidade
Como vimos no tópico anterior, a vergonha se relaciona com um parâmetro do que é aceitável ou inaceitável socialmente de acordo com um determinada moral.
Sendo assim, é indiscutível que a vergonha se relaciona, em grande esfera, com a moral. Afinal, uma pessoa que tem sua personalidade baseada nos valores morais vai sentir vergonha quando for acusada, pelos outros ou por si mesma, de ter feito algo que não corresponde a esse parâmetro moral.
Porém, a vergonha será sempre causada pela transgressão dessa moral? Não necessariamente.
Segundo de La Taille, pessoas que não têm sua personalidade baseada em preceitos morais vão sentir vergonha por coisas diferentes da moralidade aceita pela maioria.
E esse pensamento se mostra muito lógico, afinal, se a pessoa não segue determinados valores, por que ela se sentiria com vergonha de não cumpri-los?
Assim, o autor estabelece 4 cenários que relacionam a moral e a vergonha:
- Os valores morais estão integrados à personalidade, portanto sentir ou não vergonha está alinhado com os preceitos dessa conduta;
- Os valores morais fazem parte da personalidade, porém não são o foco principal. Assim, a pessoa pode sentir mais vergonha de não ser bem sucedido do que de roubar, por exemplo;
- Ausência completa de valores morais na personalidade. Assim, não é possível sentir vergonha, uma vez que não há uma conduta a ser seguida;
- A pessoa sente orgulho de não agir moralmente, sendo que agir de acordo com a moral é que traria vergonha.
Dessa forma, observa-se que a vergonha se relaciona sim com a moral, porém de formas diferentes em cada pessoa. Variando de acordo com as prioridades de conduta de cada indivíduo.
Sentir vergonha pode ser bom?
Essa questão tem muito a ver com o estudo sobre vergonha social do tópico anterior. Isso porque uma vez que a vergonha está relacionada com a moralidade, se um indivíduo tem a personalidade baseada em preceitos morais, a vergonha vai impedir que a pessoa realize atos imorais ou fará com que ela se arrependa de ter agido mal.
Porém, nota-se que esse cenário só pode ser positivo sem o martírio. Ou seja, que a prudência e/ou arrependimento sejam como ferramentas para a dignidade pessoal e não como remorso prejudicial.
“Uma ação julgada negativamente é vergonhosa, uma pessoa julgada positivamente é alguém que tem vergonha (na cara). Logo, ter vergonha é visto como positivo, porque a presença deste sentimento revela a boa índole (ou caráter) da pessoa. Como já podemos antevê-lo, tal característica da vergonha é de extrema importância para a moralidade pensada de forma articulada com o Eu.” (DE LA TAILLE, 2002, p.21).
Além disso, a vergonha, no sentido positivo, também pode ser vista como a capacidade de autoconsciência e reflexão sobre si enquanto agente no mundo.
A vergonha social é um sentimento de coletividade?
O ser humano é social, por isso ele deve ser considerado como um ser em relação ao outro e que produz sentido em tudo o que faz.
Assim, ao pensarmos no conceito de vergonha como algo que é gerado tanto pelo juízo de valor do outro, quanto pelo autojuízo, é possível considerarmos que a vergonha social surge do sentimento de coletividade.
Isso porque, se pensarmos no juízo de valor que o outro exerce sobre nós, então estamos agindo da melhor forma possível a partir do pensamento comum a todos de uma determinada sociedade.
E, quando exercemos o autojuízo de valor, estamos fazendo isso pautados no conhecimento que acumulamos durante a vida a respeito do que é agradável e o que não é a partir de um padrão estipulado coletivamente.
Sendo que essa vergonha pautada nas referências que temos no mundo podem tanto dizer à moral (roubar é errado e eu tenho vergonha de fazer isso), quanto a questões não relacionadas à moral (eu tenho vergonha de ir ao shopping de pijama, porque esse ato foge do contrato social implícito ao ambiente).
Por que nos importamos com a opinião do outro?
Em alguns tópicos acima, Yves de La Taille mostra que sentimos vergonha, porque concordamos com o juízo de valor emitido pelo outro.
Por exemplo, um cientista renomado recebe uma dura crítica de alguém que não tem experiência nenhuma em ciência. Sendo seguro de si, e certo que essa crítica vem de alguém não renomado no caso, o cientista não vai sentir vergonha, pois não irá concordar com aquilo.
Mas o contrário aconteceria se esse fosse um cientista inseguro do seu trabalho que recebesse uma crítica de alguém que entende do assunto. Dessa forma, ele sentiria muita vergonha pelo acontecido.
Assim, o primeiro ponto sobre esse tópico é que, na maioria das vezes, sentimos vergonha por termos dentro de nós uma opinião que diz que tal comportamento é motivo para se envergonhar.
Tanto que, ao cair na rua, as pessoas podem vir te ajudar e não ofender você, mas se você considerar que não deveria ter caído ali e que isso foge do padrão, você vai sentir vergonha do mesmo modo.
E o segundo ponto é simplesmente que vivemos em sociedade. Assim, seria muito difícil ser insensível ao que o outro pensa, já que estamos sempre em relação com outras pessoas e com as opiniões que elas emitem sobre nós.
Como levantado por Marina Kon Bilenky: “A vergonha surge como um dos reguladores da inserção na comunidade. E do ponto de vista do envergonhado, seu sofrimento liga-se ao sentimento de que seu aspecto destoa do ideal supostamente partilhado pelo grupo.” (BILENKY, 2013).
Sendo que, tal artigo, apesar de divergir em alguns pontos do teórico usado em maioria nesse texto, Yves de La Taille, ainda assim traz perspectivas interessantes sobre a relação do Eu em relação ao Outro, contribuindo, assim, para esse estudo sobre vergonha social.
A omissão de situações por conta da vergonha
Uma situação muito comum é o que Yves de La Taille chama de vergonha retrospectiva, que é o autojuízo por alguma coisa que já aconteceu. E, como consequência desse sentimento, é comum que ocorra a omissão de situações, seja por vergonha relacionada à moral ou não.
Uma explicação bastante plausível é que os fatos passados que causam vergonha quebram a imagem que queremos passar ao outro e a nós mesmos. Ou seja, é contrária à representação que exercemos, por isso a omissão tende a ocorrer.
“A questão com a vergonha é o movimento de se esconder, de não poder arriscar mostrar uma imagem desqualificada de si. À exigência de atingir uma meta idealizada, que se crê inatingível devido à distância existente entre o eu e o ideal do eu, responde-se com o encobrimento” (BILENKY, 2014).
Além disso, também é possível entrar no campo da culpa, que pode aumentar ainda mais o desejo da omissão. Dessa forma, voltamos à questão do juízo negativo de si e das semiologias que constituem a vida do indivíduo, como cultura, religião e costumes sociais.
Mas, como esse texto se destina a um estudo sobre vergonha social, não nos aprofundaremos na questão da culpa.
O que fazer quando o paciente esconde fatos por vergonha?
No caso do psicólogo, essa questão é mais complexa, já que precisa estar atento aos fatos, ditos e não ditos, para não deixar passar algo que comprometa o tratamento.
Dessa forma, ao perceber que o paciente esconde fatos por vergonha, é importante entender quando esse silêncio acontece e quais assuntos acarretam isso.
Assim, nesses momentos em que o paciente não fala, acaba que você, terapeuta, tem mais abertura para ser incisivo e ficar mais concentrado na análise. Dessa forma, com menos ruídos, você poderá ter mais clareza nos sinais e no possível diagnóstico.
O “não falar” pode contribuir tanto quanto o “falar”.
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Referências Bibliográficas
BILENKY, Marina Kon. Vergonha: sofrimento e dignidade. Periódicos Eletrônicos de Psicologia, vol.37 no.58 São Paulo jul. 2014.
DE LA TAILLE, Yves. O Sentimento de Vergonha e suas Relações com a Moralidade. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2002, 15(1), pp. 13-25.
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