Precisamos falar sobre o Kevin: psicologia explica a história
Equipe Eurekka
Precisamos falar sobre o Kevin alugou a mente de muitas pessoas com seu terror psicológico e abordagem de temas sensíveis. Trazendo um olhar diferente sobre a relação entre mãe e filho, essa história é capaz de gerar grande desconforto e controvérsias.
Então, se você assistiu esse filme e quer entender melhor o que aconteceu com Kevin e sua família ou quer descobrir do que se trata essa obra, leia este texto até o final!
Boa leitura🎬
Índice
Sinopse do filme
Precisamos falar sobre o Kevin é um filme que conta a história de Eva Katchadourian, uma mulher que mora sozinha e está em busca de um emprego, mas sempre assombrada por acontecimentos do passado.
Em uma narrativa não linear, descobrimos que ela era uma mulher independente e bem-sucedida na carreira, que vivia em paz com seu marido Franklin.
Porém, após uma gravidez indesejada, Eva não soube bem como reagir à maternidade, uma vez que isso a cobraria o conforto de sua vida sem preocupações com tarefas domésticas. Além de que nunca teve o desejo de ser mãe.
E a situação se agravou quando Kevin nasceu e começou a apresentar comportamentos estranhos, como indiferença, provocações e crueldade.
Assim, a história segue intercalando presente e passado, até que entendamos o que aconteceu com Kevin e como Eva chegou ao momento inicial da narrativa.
Precisamos falar sobre o Kevin: explicação psicológica
Veja agora esses fatos detalhados e explicados a partir da Psicologia! E se você não assistiu ainda, cuidado, pois contém spoilers!
A gravidez e a maternidade de Eva
Na maioria das vezes, a maternidade é representada como algo que é sempre bonito e desejado. Mas a verdade é que nem sempre é assim.
Muitas mulheres não têm esse desejo e acabam engravidando sem ter nenhum preparo emocional para isso, o que torna as complicações normais da gravidez muito mais difíceis.
E esse é justamente o caso de Eva. Por ter sido pega de surpresa e ter dificuldades em se imaginar como mãe, ela tem uma gravidez conturbada, incluindo um parto com muita dor.
E, quando Kevin nasce, ela tem dificuldades em se conectar com a criança, uma vez que essa gravidez contrariada faz com que ela não consiga se colocar no lugar do filho e nem suprir as necessidades dele.
Afinal, se antes ela tinha um estilo de vida voltado para a mulher dedicada apenas ao trabalho, livre e bem-sucedida, agora ela tinha que assumir um papel que nunca desejou: o de cuidadora.
Ou seja, a maternidade trouxe o desconforto não só de se tornar mãe, mas de abrir mão da personalidade que ela construiu por anos, o que gera uma crise identitária em Eva.
É possível até dizer que ela sofreu com a depressão perinatal, que é quando a gestante entra em um quadro depressivo antes e/ou depois do nascimento do bebê.
A gravidez por si só já desencadeia uma mudança hormonal muito grande,o que pode fazer com que mães felizes por terem o bebê acabem entrando em depressão. Então, uma gravidez indesejável torna isso tudo muito mais suscetível.
A relação mãe-filho
Desde bebê, Kevin se apresenta quase como um antagonista da mãe, mesmo que de forma não proposital.
Ele sempre chora muito, de modo que Eva se sente frustrada e incomodada por não conseguir acalmá-lo. Tanto que, em uma cena, ela para em frente a uma construção para ouvir o barulho das britadeiras, que era mais agradável para ela do que o choro de Kevin.
Ali, percebe-se uma ruptura entre os dois, uma vez que as dificuldades dessa fase não parecem normais, mas sim um duelo entre ela e a criança, a qual ela não consegue enxergar como seu filho.
E assim continua durante toda a vida. Na infância, vemos que Kevin já tem uma certa consciência dessa distância entre ele e a mãe, por isso acaba tendo comportamentos para irritá-la de propósito, como se recusar a interagir nas brincadeiras que ela propõe.
Além disso, ele não fala e apresenta problemas para controlar as esfíncteres, o que, mais tarde, descobrimos não ser um problema fisiológico, mas algo que ele fazia por querer.
E a verdade, segundo a psicologia, é que esse comportamento de Kevin pode ser devido às condições em que viveu desde o seu nascimento.
Em um ambiente hostil e sem uma ligação entre ele e a mãe, a criança se torna mais propensa a desenvolver problemas de comportamento e até transtornos.
E a situação só vai se agravando com o tempo, uma vez que ambos não sabem como trabalhar o problema, principalmente Eva, que tem dificuldades em validar os sentimentos do filho e buscar ajuda adequada.
Um exemplo disso é quando Kevin suja de tinta a parede que Eva tinha decorado, então, em um surto de raiva, ela o joga na parede, quebrando o braço do menino.
A dinâmica familiar problemática
Se por um lado Eva era a falta de amor materno, Franklin era a falta da lei.
Por mais que fosse feliz por ter um filho e ficasse animado com a gravidez de Eva, Franklin nunca foi um pai presente, nunca dando importância para o comportamento problemático de Kevin e nem dando suporte para Eva.
Ele é um pai que se preocupa apenas com questões menos relevantes na situação em questão, como mudar de casa para Kevin ter mais espaço para brincar.
Não que isso não seja importante, afinal a parte lúdica também é muito necessária no desenvolvimento cognitivo e físico da criança. Porém, no caso de Franklin, essas ações mostram que ele era ausente ao ponto de não enxergar o problema dentro da própria casa.
E essa ausência acaba sendo manifestada através de atitudes imaturas, como se preocupar apenas com o lazer de Kevin. Afinal, ausente nem sempre é ausência de ação, mas ações erradas e desproporcionais à realidade real.
Assim, Kevin cresce em um ambiente familiar que não tem amor, conexão, correção e nem figuras de autoridade. Tanto que, durante o longa, vemos que ele não respeita nenhum dos dois, já que as relações na casa não fazem sentido.
Situação a qual faz com que ele não crie senso de limites, pertencimento e empatia.
A adolescência de Kevin
Na adolescência, Kevin apresenta um comportamento ainda mais problemático, o qual dura até o fim do filme. O que nos leva a pensar na possibilidade de ele possuir o transtorno de personalidade antissocial.
Segundo o DSM-5, os sintomas precisam aparecer desde os 15 anos de idade e devem ser pelos menos 3 dos seguintes:
- Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a comportamentos legais,
- Tendência à falsidade
- Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
- Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas lutas corporais ou agressões físicas.
- Descaso pela segurança de si ou de outros.
- Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha repetida em manter uma conduta consistente no trabalho ou honrar obrigações financeiras.
- Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou racionalização em relação a ter ferido, maltratado ou roubado outras pessoas.
E a maioria desses sintomas se aplicam a Kevin, como agressividade, ausência de remorso, descaso pela segurança e fracasso em se ajustar às normas sociais.
Um exemplo é quando ele não sente remorso por ter causado um acidente que fez sua irmã mais nova perder o olho. Veja o que o seguinte artigo diz sobre isso:
“Vale mencionar que é nos momentos de esperança que a criança manifesta a tendência antissocial. Isto equivale dizer que tais tendências são uma expressão de esperança explicitada por aquela criança que se tornou de-privada. Sendo assim, o tratamento destas tendências antissociais seria ir ao encontro deste momento de esperança e corresponder-lhe (Winnicott, 1958/2000). Eva, no entanto, embora tema o comportamento do filho, não reconhece seu pedido de ajuda e, portanto, nada faz diante disso” (CÚNICO et al, 2014).
Porém, essa é apenas uma hipótese, não sendo descartados até outros transtornos, como a psicopatia, principalmente por conta do final do filme.
O fim trágico
Por fim, Kevin realiza um massacre na escola com um arco e flecha, que seu próprio pai o ensinou a usar. Além disso, ele também mata o pai e a irmã mais nova.
Assim, ele acaba preso pelos seus crimes, o que nos leva ao início da narrativa, que é quando Eva se depara sozinha, sem família e em busca de um emprego.
Agora, ela se encontra também em um local hostil, uma vez que os moradores próximos, cientes da tragédia, a atacam por conta das mortes causadas por Kevin.
Aqui há um jogo psicológico com a cor vermelha, que ajuda a construir a ideia do desastre e do massacre.
Como quando Eva é enquadrada na frente de latas de molho de tomate vermelhas, quando os vizinhos sujam toda a sua casa de vermelho, na cena inicial do filme em que ela é carregada por diversas mãos e está toda suja de vermelho e por aí vai.
Essas pistas estão por todo canto na obra, nos sinalizando o que aconteceu e também o que estava por vir, dependendo do momento da narrativa. Como, por exemplo, depois do acidente envolvendo a irmã de Kevin, ela passa a ter cores vermelhas em vários objetos ao seu redor, o que não acontecia antes.
Outro ponto importante é que, quando Kevin é preso, a mãe vai visitá-lo, e ali parece ser o único lugar em que eles chegam próximo de uma conversa real. Sendo a justiça pública o limite que ele nunca recebeu em casa, principalmente pelo pai.
Os problemas em Precisamos falar sobre o Kevin poderiam ter sido evitados?
Possivelmente sim. Considerando que a maior parte dos problemas foram desencadeados por uma gravidez não desejada e um ambiente familiar disfuncional, haveria formas de contornar a situação.
Eva poderia ter dado o primeiro passo, começando um tratamento psicológico durante e depois da gravidez. Isso a ajudaria a trabalhar seus sentimentos e emoções, de modo que ficasse mais preparada para receber a criança e conseguir se conectar com ela.
Além disso, seria interessante também estar atento aos sinais de Kevin e procurar por ajuda médica e psicológica. Assim, com a ajuda dos profissionais adequados, esses laços familiares poderiam ser construídos de forma efetiva, resultando em pessoas mentalmente saudáveis.
Por isso, esse filme, assim como outros materiais, deve servir como um alerta para a importância de uma maternidade e paternidade saudáveis.
Precisamos falar sobre o Kevin também chama a atenção para a necessidade de ouvir as crianças e levá-las à sério, criando um ambiente de atenção e acolhimento, a fim ajudá-las a resolver os próprios conflitos internos.
Por fim, também é necessário pontuar a necessidade de acabar com os estigmas sobre transtornos e saúde mental, pois só assim mais pessoas receberão um tratamento adequado e humano.
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