Análise Psicológica do filme As Horas: a mulher por trás da obra

Equipe Eurekka

Virginia Woolf foi uma escritora que deu o que falar e até hoje intriga estudiosos da literatura. Por isso, hoje vamos fazer uma análise psicológica do filme As Horas, obra inspirada em alguns eventos da vida da autora, misturando realidade e ficção. 

Por aqui, você vai encontrar o resumo dessa história, a mulher por trás dos livros e a visão da psicologia a respeito da depressão e outros males que podem vir a acometer pessoas de diferentes épocas.

Boa leitura!

Quem foi Virginia Woolf?

Virginia Woolf é uma escritora britânica que nasceu em 1882 e morreu em 1941. Dentre seus romances mais famosos, estão: O quarto de Jacob (1922), Mrs. Dalloway (1925), Orlando (1928), entre outros publicados. 

Seu ensaio Um teto todo seu (1929) ganhou notoriedade ao refletir sobre as condições sociais da mulher e literatura feminina. Esse ensaio foi baseado em palestras que ela mesma ministrou nas faculdades de Newham e Girton em 1928, sendo ambas universidades destinadas a mulheres.

Suas obras são marcadas pelo desconforto da mulher perante a sociedade daquela época, reflexões profundas a respeito das disparidades de gênero e uma boa dose de ironia a respeito dos costumes burgueses. 

Além de romancista, ela também era crítica literária e figura importante do Bloomsbury, um famoso grupo de intelectuais liberais daquele tempo. Woolf era, e continua sendo, uma figura rebelde, emblemática e inovadora na literatura.

Mas, infelizmente, a vida da escritora não foi fácil. A mãe de Virgínia, Julia Jackson Duckworth, morreu quando esta ainda tinha 13 anos. Dois anos mais tarde, ela também perdeu a irmã, Stella. Por conseguinte, ainda teve que ver a morte do irmão, Toby, e de seu pai, Sir Leslie Stephen. 

Esses fatores podem ser considerados contribuintes nos transtornos mentais que Virginia desenvolveria, assim como os fatores genéticos, já que sua meia-irmã Laura (fruto do primeiro casamento do seu pai) sofria com doenças mentais, assim como seu irmão Toby, que sofria com transtornos e até tentou suicídio.

Além disso, ela e suas irmãs também sofreram abusos sexuais de seus outros meio-irmãos. Então, essa junção de fatores pode ter contribuído para o desenvolvimento do transtorno bipolar, com quadros depressivos e maníacos.

Ela se suicidou em 28 de março de 1941.

Resumo do filme As Horas

O filme As Horas (The Hours no original) retrata a vida de três mulheres que vivem em épocas diferentes, mas que estão interligadas por duas questões centrais: a depressão e a literatura. 

Toda a história se passa em um único dia na vida dessas personagens, sendo elas: 

  • Virginia Woolf: famosa escritora de romances, no ano de 1923.
  •  Laura Brown: mulher casada com um herói de guerra. Ela se dedica à criação dos filhos, ao casamento e à casa, no ano de 1949.
  • Clarissa Vaughan: editora bem-sucedida, mãe e esposa de uma produtora de TV. Se dedica também a cuidar de um amigo, e ex-amante, que foi acometido pela AIDS.

Todas as três se mostram insatisfeitas com suas vidas e presas em uma realidade que não as representa. Elas buscam manter as aparências e a normalidade do que se esperava de uma mulher, mas isso se torna uma tarefa cada vez mais difícil.

Essas características são muito presentes nos romances de Virginia Woolf, inclusive em Mrs. Dalloway. E esse livro é importante porque, além de ser uma obra real escrita por Woolf, o filme em questão mostra a escritora tentando terminar Mrs. Dalloway.

Mas não só isso, pois anos mais tarde Laura Brown se dedica à leitura de Mr. Dalloway, e depois Clarissa aparece como uma personificação da personagem central dessa obra literária.

Ou seja, o filme liga as personagens não só pelos sentimentos, emoções e dificuldades, mas também pela obra literária de Woolf.

Ah! E vale lembrar que o filme foi inspirado no livro de mesmo título escrito por Michael Cunningham e publicado em 1998.

Análise psicológica do filme As Horas

Agora que você já entendeu mais sobre a autora que inspirou o filme e teve um resumão da obra, confira essa análise psicológica do filme As Horas e se aprofunde mais nessa história!

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A depressão presente na vida das três mulheres

O foco central do filme são os modos diferentes de como a depressão se manifesta na vida das três personagens principais. Mostrando, assim, que essa doença independe da época, classe social e tipo de vida, portanto, pode acometer qualquer pessoa.

Como citado no artigo Depressão e suicídio no filme “As Horas”  (2006): “Os personagens ilustram a vivência e convivência de pessoas com quadros depressivos em diferentes épocas e em diferentes graus de morbidade.” (MORAES et al, 2006, p.83). 

Assim, apesar de apresentarem insatisfações e questionamentos parecidos, as mulheres do filme mostram que a depressão não tem “uma cara só” e que as pessoas que sofrem com esse transtorno podem apresentar sintomas e reações diferentes. Além de mostrar também as diferentes reações da sociedade aos transtornos mentais. 

Confira:

Virginia Woolf

Woolf, que vivia em um casarão antigo em Richmond, se via incapaz de controlar a própria vida. Isso porque a depressão psicótica, que ocasionava alucinações auditivas, tirava a sua autonomia de ir e vir, já que ela parecia ter que estar sempre sob observação. 

Além disso, como naquela época muito pouco se conhecia sobre a bipolaridade e a depressão, os tratamentos não eram eficazes como são hoje. Assim era aconselhado que ela apenas se afastasse da sociedade e vivesse reclusa, o que afetou mais ainda a sua saúde mental.

Dessa forma, mesmo quando estava rodeada de pessoas, ela se comportava de modo peculiar, com ameaças de suicídio, por exemplo. Fato que fazia com que as pessoas quisessem controlá-la ainda mais, considerando-a incapaz. 

Também é possível ver traços da depressão de Woolf na casa escura, com pouca incidência solar e o modo com que suas roupas são surradas e o cabelo desarrumado, trazendo um ar de melancolia, tristeza profunda e distanciamento da vida. 

Assim, além de sofrer com o silenciamento feminino presente naquela época, Virgínia ainda tinha que lidar com uma doença que não era compreendida, trazendo um sofrimento duplo para sua vida.

Laura Brown

A depressão em Laura Brown é um caso curioso. A personagem vive no fim da década de 40 e vive o “sonho americano”. Ela é casada com um herói de guerra, vive em uma boa casa e tem filhos. Ou seja, para a maioria das pessoas daquela época isso seria a vida perfeita. Como ela poderia estar insatisfeita?

O fato é que esse estilo de vida não satisfaz Laura. Ela se encontra em um estado de apatia, tédio e total desinteresse pela vida. Tanto que uma das suas ocupações favoritas são as ações que a ajudam a fugir da realidade, como a leitura do livro Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf.

E é interessante notar que enquanto Virginia fugia da realidade através da escrita, Laura escapava através da leitura, e não qualquer leitura, mas a leitura dos escritos da própria Woolf. 

Além disso, o tempo todo Laura tenta mascarar seus sintomas depressivos, tanto para o filho, quanto para o marido, uma vez que se sentia no direito de tal insatisfação, sendo que a depressão não tratada e essa tentativa de sufocar os sintomas levam a um fim triste e desesperado.

Clarissa Vaughan

Como falamos alguns tópicos acima, essa complexa personagem se mostra a personificação de Clarissa Dalloway, personagem principal do romance de Woolf. E a semelhança não se dá só pelo nome, mas pelo estilo de vida.

Clarissa está o tempo todo mascarando sua frustração, raiva, tristeza e insatisfação com a vida. Sendo que sua carreira brilhante, as festas e os compromissos sociais servem como uma fachada, assim como a senhora Dolloway.

A semelhança é tanta que Richard, o amigo de quem ela cuida, cita para ela uma frase do romance de Woolf: “Ah, Mrs. Dalloway… Sempre dando festas para encobrir o silêncio…”. Além de também chamar Clarissa pelo sobrenome da personagem do livro, o que acaba se tornando um apelido carinhoso.

E por falar em Richard, também nota-se como Clarissa é apegada à época em que eles viveram o romance. Diversas vezes ela é tomada pela melancolia e pelo desejo de regresso ao passado. Há certo momento do filme em que é possível ver uma carga emocional muito grande em relação ao romance de ambos nos anos anteriores.

Mas, de todas as personagens, Clarissa é a que mais esconde e nega os sintomas depressivos. É como se ela tentasse o tempo todo manter o status e a vida social, além de também querer parecer forte para Richard, de quem ela se torna muito dependente. Porém, na verdade, seria lógico que fosse o contrário. 

Também vale ressaltar que o personagem de Richard se mostra um grande elo entre Laura e Clarissa, o que acaba sendo um dos plots do filme.

O suicídio

O suicídio acontece na obra mais de uma vez, sendo que em todas elas mostra-se um desespero profundo de aliviar as dores emocional e físicas, além de também aparecer como fruto de traumas do passado.

Por isso, é muito importante ressaltar a importância de procurar um profissional da saúde mental caso sintomas depressivos permaneçam por mais de duas semanas. E, também, a qualquer sinal de ideação suicida, própria ou de terceiros, deve-se procurar ajuda imediatamente. 

Hoje, diferente das épocas retratadas no filme, há muitos profissionais qualificados para cuidar bem de pacientes assim. Os tratamentos estão muito avançados e cada vez mais humanizados, por isso não tenha medo de entrar em contato com um psicólogo ou psiquiatra. Eles estão aqui para ajudar e nunca julgar.

Amarelo todo dia: página permanente de prevenção ao suicídio

mulher digitando na máquina de escrever

O papel da escrita e sua relação com a saúde mental

Ao fazer uma análise psicológica do filme As Horas, podemos perceber como a escrita de Woolf é extremamente pessoal e até mesmo terapêutica.

É na escrita de romances que ela consegue se distanciar dos seus transtornos mentais, expor suas ideias e ainda colocar para fora a dor e sentimento de não pertencimento. 

Ou seja, o ato de escrever é muito mais do que apenas comercial, mas um ato quase catártico. E é interessante notar que essa escrita não se finaliza em Virginia Woolf, pois, anos depois, o livro chega às mãos de Laura e ali ela conversa com os escritos de Woolf, ressignificando-os em outra época. 

Na literatura brasileira, uma autora que retrata temas parecidos com os de Woolf é Clarice Lispector, uma vez que seus romances e contos são altamente reflexivos e cheios de epifanias. Ela dialoga e questiona sobre o papel da mulher na sociedade e outras questões igualmente importantes.

Hoje, umas das técnicas recomendadas para ajudar pessoas no autoconhecimento, identificação de emoções e desabafo é a escrita terapêutica, que é muito benéfica para a saúde mental. Isso porque é como se você tirasse da sua mente um bolo de fios confusos e começasse a desmembrar no papel. 

A importância da terapia

Tanto nessa análise psicológica do filme As Horas, quanto observando a vida de autores conhecidos, fica clara a importância de não se negligenciar o tratamento adequado para os transtornos mentais. 

Muitas pessoas sofreram no passado por não terem acesso às técnicas que hoje nossos profissionais conhecem, por isso é muito necessário entender quão grande é a importância dos tratamentos hoje disponíveis, frutos de muitos anos de estudos.

E se você sabe que tem negligenciado a sua saúde mental ou conhece alguém que apresenta sintomas depressivos, não hesite em procurar ajuda. Você pode marcar uma Conversa Inicial com um de nossos psicólogos por aqui ou então ligar gratuitamente para o Centro de Valorização da Vida e conversar com um psicólogo, sem custos. O número é 188.

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